25 fevereiro, 2013

a osga, o Félix e eteceteras

Acho que nunca me tinha acontecido ter lido um livro de 203 páginas em menos de doze horas. Por isso, cá vai mais uma opinião de um livro: "O Vendedor de Passados" do José Eduardo Agualusa. Quando li a "Teoria Geral do Esquecimento" no ano passado, disse para mim que tinha de ler tudo o que este senhor escreve. Um dia destes, em Lisboa, esta capa laranja cai-me nos olhos e estando a uma pechincha, nem hesitei (já disse que adoro pechinhas?).

Agora vocês perguntam-me como é que o li em tão pouco tempo... Fácil.
Às segundas-feiras acordo de madrugada (07h15) para levar a pequenada. Aproveitei e fui à loja do cidadão. Apesar de ter sido rápido, ainda deu para ler as primeiras páginas. Depois foi a espera no café: mais umas páginas. Ir ao hospital (público) à tarde tarde e a espera fez-me passar do meio. Chegar a casa já depois das 17h não me fez produzir muito, só mesmo emails e coisa e tal. Como faltavam tão poucas páginas para a acabar, não resisti e fechei todos os ficheiros word que tinha aberto "artigo", "tese" e outras coisas que amanhã compenso - prometo.

Sobre o livro...

Como é que o li só agora?
[digo isto de alguns livros e este é decididamente um deles]

Como tenho a história ainda tão em mim, confesso que estou a ter dificuldade em saber o que escrever. Partes para chegar ao todo:

- é uma história que merece ser lida, talvez porque é contada por uma osga; não uma osga qualquer, mas uma osga-tigre, das mais raras que podem existir e que soltam gargalhadas. Imaginam uma osga a gargalhar? Não é maravilhoso?

- expressões que me lembram o Mia Couto: "Era como se chovesse noite", "(...) meninos dançando futebol".

- pedaços de Eça e a mistura entre o Brasil e África (goiaba, mangas, mandioca, casuarina, samba e eteceteras).

- capítulo "o amor, um crime", que nos deixa sem ar. Literalmente.

- e não resisto em transcrever um excerto. Entre muitos escolho este, que de tão simples se torna tão maravilhoso:

"(...) e a seguir um velho professor, dos primeiros anos do liceu, sujeito de modos melancólicos, alto, e de tal forma delgado que parecia caminhar sempre de perfil, como uma gravura egípcia. Gaspar, assim se chamava o professor, comovia-se com o desamparo de certo vocábulos. Dava com eles abandonados à sua sorte, nalgum lugar ermo da língua, e procurava resgatá-los. Usava-os com ostentação e persistência, o que consternava uns e desconsertava outros. Creio que triunfou. Os seus alunos começaram por utilizar esses vocábulos, primeiro por troça, e a seguir como uma gíria íntima, uma tatuagem tribal, que os fazia distintos da restante juventude. Hoje, assegurou-me Félix, são ainda capazes de se reconherem uns aos outros, mesmo quando nunca  se viram antes, às mesmas palavras.

«Ainda tremo de cada vez que ouço alguém dizer edredom, um galicismo hediondo, em vez de frouxel, que a mim me parece, e estou certo que você concordará, palavra muito bela e muito nobre. Mas já me conformei com sutiã. Estrofião tem uma outra dignidade histórica. Soa, todavia, um pouco estranho - não concorda?»"

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